Um terço das crianças brasileiras de até 5 anos ficam mais de duas horas em telas diariamente, segundo pesquisa realizada em 13 capitais pelo Ministério da Saúde e pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal. Além disso, 35% dos pais ou outros cuidadores acreditam que dar palmadas ou gritar são “medidas necessárias para educá-las”.
O estudo faz parte do projeto Primeira Infância Para Adultos Saudáveis (Pipas) que coletou dados inéditos de crianças entre 0 e 59 meses no País em 2022 e foi divulgado nesta quarta-feira, 25, no 10º Simpósio Internacional de Desenvolvimento da Primeira Infância, em Brasília. A intenção é a de entender o desenvolvimento infantil das crianças brasileiras para nortear políticas públicas.
Nas últimas décadas, diversas pesquisas mostraram a importância dos estímulos e dos cuidados na primeira infância (fase que vai de 0 aos 6 anos) para o desenvolvimento das crianças e da sociedade. Os investimentos nessa faixa etária reduzem riscos de problemas de saúde, de nutrição, de déficits de aprendizagem, e ainda levam a melhores salários na vida adulta e menores dificuldades sociais.
Com relação às medidas punitivas, consideradas inadmissíveis por educadores, a cidade de Porto Velho ficou com o maior índice de cuidadores que consideram as palmadas necessárias, com 49%. Em seguida, estão Belém (41%) e Aracaju (40%). “É uma questão considerada cultural, mas os cuidadores precisam saber os efeitos. A criança que vive com receio de levar uma palmada está em um estresse de longa duração, tóxico, que traz efeitos muito negativos ao desenvolvimento do cérebro”, diz Sonia Venâncio, coordenadora de atenção à saúde da criança e do adolescente do Ministério da Saúde
Os gritos também são aceitos por mais pais de crianças no Rio (40%) e Porto Velho (36%). São Paulo tem índices de 33% para concordância de dar palmadas e 32% para gritos com crianças de até 5 anos. “É um desafio gigante que temos para resignificar as práticas de cuidado e educação das crianças”, completa a diretora de conhecimento aplicado da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Marina Fragata. Para ela, o resultado da pesquisa com relação às práticas punitivas é “alarmante” principalmente porque se refere a palmadas e gritos com crianças pequenas, de menos de 5 anos.
Na pesquisa, 51,5% também disseram que seus bebês de 6 a 23 meses tinham consumido no dia anterior alimentos ultraprocessados como bebidas adoçadas, macarrão instantâneo, salgadinho, hambúrguer, embutidos e biscoitos.
Produtos ultraprocessados contém substâncias industriais que não são encontradas na cozinha. Estudos mostram que o consumo de ultraprocessados aumentam o risco de hipertensão, doenças cardíacas e derrames.
Com relação ao tempo que as crianças ficam diante da TV (assistindo programas ou jogando), no smartphone ou tablet, a cidade do Rio de Janeiro registrou o maior índice, de 40%. Em São Paulo, 31,7% dos pais responderam que seus filhos ficam por mais de duas horas nas telas. O índice médio no País é de 33%.
A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que crianças com menos de 2 anos não tenham exposição alguma às telas e que até 5 anos o uso seja limitado a um máximo de uma hora por dia. Relatório deste ano da Unesco também alertou para os riscos da exposição excessiva à tecnologia e mostrou que diversos países já têm proibido celulares em salas de aula.
“Não é uma questão simples, inclui desinformação, sobrecarga de famílias monoparentais e também é preciso ter políticas que mostrem outras práticas, brincadeiras, que podem ser feitas no mesmo ambiente em que a criança está usando telas”, diz Marina.
Segundo o Ministério da Saúde, pesquisas piloto com o mesmo perfil já mostraram que o uso de telas é um dos fatores que influenciam no atraso de desenvolvimento.
Para elaborar o questionário, a pesquisa usou o referencial Nurturing Care Framework, elaborado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Unicef. Ele considera cinco áreas que precisam ser garantidas para um pleno desenvolvimento da criança: boa saúde, nutrição adequada, oportunidades de aprendizagem desde o início da vida, proteção e segurança e cuidados responsivos.
De maneira geral, o estudo identificou que 10,1% das crianças de 0 a 35 meses e 12,8% das que tinham mais de 36 meses foram consideradas como suspeitas de terem atraso em desenvolvimento. Isso significa que elas não atingiram certos marcos de desenvolvimento, como sustentar o tronco ou balbuciar aos 6 meses.
Segundo o relatório, o atraso de desenvolvimento é mais frequente entre as crianças mais pobres e que participaram de programas de transferência de renda. “Isso é esperado porque são de famílias em maior vulnerabilidade social”, disse Sonia Venâncio.
Entre as mais atingidas estão as famílias com o mais baixo perfil socioeconômico: 17% das crianças estão com suspeita de atraso no desenvolvimento nesse grupo. “Os resultados são importantes para reafirmar o impacto das desigualdades e para que tenhamos políticas para priorizar essas crianças.”
As conclusões do relatório destacam ainda o fato de um quarto dos pais terem dito que não conversaram, cantaram ou contaram histórias aos seus filhos pequenos nos dias anteriores aos que foram questionados. E ainda que 24% das crianças das capitais não tinham nenhum livro infantil em casa e que, quanto mais pobre, menor o índice.
Com relação à educação infantil, a pesquisa mostra que 9% das crianças com 4 anos ou mais não estavam matriculadas em escolas, o que é obrigatório no País a partir dessa idade. Mas em algumas capitais, como Porto Alegre, são 23%.
Em São Paulo, o índice é de 5%. Entre os menores, com menos de 2 anos, a média fora da escola no País é de 46%, mas em Belém e Porto Velho, por exemplo, são 80% das crianças que não estão na creche. A região Norte é a que tem menos oferta de vagas para alunos em creche, importante tanto para o desenvolvimento da criança quanto no apoio às mulheres no mercado de trabalho.
Fonte: Agência Estado
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