Você sabia que, da gestação ao fim da vida, o cérebro humano está em modificação? Apesar da constante criação de neurônios, como são chamadas as células nervosas, nada se compara aos primeiros anos do bebê, especialmente aos primeiros mil dias (cerca de 270 de gravidez + 720 até completar 2 anos). A fase tem uma produção tão intensa que, aos 12 meses, uma criança tem o dobro de conexões que um adulto. Só para se ter ideia, o cérebro de um recém-nascido pesa, em média, 300 gramas e, no primeiro ano, triplicará seu tamanho – até chegar à fase adulta com cerca de 1.500 gramas.
A origem do cérebro está no tubo neural, estrutura embrionária de onde surgirá também a coluna vertebral, ainda no primeiro trimestre da gestação. A multiplicação veloz das células nervosas e das ligações entre elas faz surgir uma complexa rede de comunicação, que comanda o corpo todo. É como se o órgão fosse um computador e, tais conexões, o sistema operacional. Mas seu funcionamento não depende apenas da genética: experiências e situações às quais o bebê é exposto podem alterar a maneira como os genes se expressam, influenciando o desenvolvimento mental a longo prazo.
“À medida que surgem novos neurônios e ligações, o cérebro também elimina aquelas que não estão sendo usadas, em um fenômeno chamado de poda cerebral”, explica o neuropediatra Saul Cypel, do Hospital Israelita Albert Einstein, consultor da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, ambos em São Paulo. Segundo ele, as podas mais importantes ocorrem em três momentos: logo após o nascimento, entre 2 e 3 anos e no início da puberdade. A educadora Adriana Foz, especialista em neuropsicologia e coordenadora do Projeto Cuca Legal, da Unifesp, compara-as à jardinagem: “Ao podarmos uma roseira, ela ganha mais resistência e beleza”.
Uma coisa de cada vez
É preciso entender que as conquistas acontecem por etapas e não dá para adquirir certas habilidades sem o apoio de outras, até para não querer antecipar passos na vida do seu filho sem que ele esteja preparado para isso. Para sentar sem apoio, o que acontece por volta do sexto mês, o bebê antes teve de aprender a firmar o pescoço e a manter a coluna ereta. O equilíbrio para se manter sentado, por sua vez, será essencial para, dali a alguns meses, ele dar os primeiros passos. “Assim, não adianta tentar alfabetizar uma criança aos 3 anos, por exemplo, já que os circuitos necessários para tal função ainda não estão prontos”, afirma Cypel. A comunicação entre os neurônios se dá por meio de filamentos chamados axônios, que são cobertos por uma camada de gordura e proteína chamada mielina. É como se fossem fios que necessitam de um revestimento para transmitir impulsos elétricos sem entrar em curto-circuito. A mielinização ocorre paralelamente à maturação cerebral, que começa ainda no útero, mas só será concluída por volta dos 25 anos. E, apesar do cérebro ter a capacidade de se adaptar e renovar ao longo da vida, o que os cientistas chamam de plasticidade, existem períodos mais sensíveis para a aquisição de determinadas habilidades. Um exemplo clássico é o da linguagem: nos primeiros 2 anos, o ser humano é capaz de aprender facilmente qualquer língua se estimulado adequadamente – e sem sotaque. “Por outro lado, uma criança dessa idade jamais conseguirá colocar a linha em uma agulha”, exemplifica Adriana.
É brincadeira!
No começo da vida da criança, outro fator que contribui positivamente para o desenvolvimento mental é a prática de atividades físicas. Uma pesquisa realizada com 220 meninos e meninas ao longo de nove meses e publicada recentemente na revista científica Pediatrics aponta que correr, saltar ou jogar bola melhora o desempenho escolar dos pequenos. “Embora o estudo tenha sido feito com crianças entre 7 e 12 anos, não temos razões para crer que não encontraríamos os mesmos efeitos em grupos mais novos”, afirma o neurocientista Charles Hillman, professor do Departamento de Cinesiologia (ciência dos movimentos do corpo humano) e Saúde Comunitária da Universidade de Illinois (EUA), que coordenou a pesquisa. A explicação, de acordo com o especialista, estaria relacionada a mudanças na liberação de neurotransmissores, entre outras substâncias, que promovem o aprendizado e a sobrevivência dos neurônios. Assim, a brincadeira é o melhor estímulo que uma criança pode receber. No período chamado de sensório-motor (0 a 2 anos), o bebê compreende e explora o mundo por meio dos cinco sentidos e do movimento. Nessa fase, atividades como rolar, tentar alcançar um objeto distante e engatinhar devem ser incentivadas. Entre os brinquedos, os que mais chamam a atenção e instigam são aqueles de cores, formas e texturas variadas – como bolas, cubos, bichos e livros-brinquedo. Para a educadora Maria Angela Barbato, coordenadora do Núcleo de Estudos do Brincar da PUC-SP, não é preciso gastar muito: o bebê se diverte tanto com o presente quanto com a caixa. “O que torna o objeto um brinquedo é a criança”, afirma. Mas, além desses estímulos, o aprendizado depende de afeto. O que significa que os pais têm um papel fundamental para dar um upgrade, digamos assim, nesse complexo sistema operacional. Para se ter uma ideia da influência poderosa que o vínculo exerce sobre o raciocínio, um estudo divulgado este ano pela Universidade de Bar-Ilan, em Israel, revelou que o método canguru – técnica que valoriza o contato pele a pele da mãe ou do pai com o bebê prematuro, visando seu amadurecimento – promove ganhos cognitivos (como a capacidade de assimilar informações e de estabelecer associações) que permanecem por pelo menos uma década. Os benefícios não se restringem aos prematuros. Por isso, aproveite todas as oportunidades de criar vínculos com seu bebê: sempre olhe-o nos olhos, massageie-o e, durante a amamentação, demonstre seus sentimentos com palavras. Tudo isso ajuda a criar laços fortes de afeto. Afinal, amar, dormir, brincar, aprender e crescer são indissociáveis.
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