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Por que a primeira infância é tão importante para o nosso desenvolvimento como adulto

O desenvolvimento afetivo, social e físico das crianças de pouca idade tem um impacto direto em seu desenvolvimento e na pessoa adulta que elas se tornarão. Por isso a importância de entender bem a necessidade de investir nas crianças bem pequenas para maximizar seu futuro bem-estar.



As pesquisas em neurologia mostram que a primeira infância é um período fundamental no desenvolvimento cerebral. Os bebês começam muito cedo seu aprendizado sobre o mundo que os cerca, desde os períodos pré-natal, perinatal (imediatamente antes e após o nascimento) e pós-natal.


As primeiras experiências das crianças, ou seja, os vínculos que elas criam com seus pais e seus primeiros aprendizados, afetam profundamente seu posterior desenvolvimento físico, cognitivo, emocional e social. A otimização dos primeiros anos da vida das crianças é o melhor investimento que poderíamos fazer como sociedade para se assegurar de seu futuro sucesso.


A aprendizagem começa na primeira infância, muito antes do início da educação formal, e continua pela vida afora. A aprendizagem inicial viabiliza a aprendizagem posterior e sucessos precoces criam sucessos posteriores, assim como insucessos iniciais resultam em insucessos futuros. Sucessos ou insucessos neste estágio constróem os alicerces para sucessos ou insucessos na escola, que por sua vez levam a sucessos ou insucessos na aprendizagem pós-escolar. Estudos recentes sobre investimento na primeira infância mostram resultados notáveis e indicam que os primeiros anos são importantes para a aprendizagem inicial. Ademais, intervenções de alta qualidade na primeira infância têm efeitos duradouros sobre a aprendizagem e a motivação. Como sociedade, não podemos nos dar ao luxo de adiar o investimento nas crianças para quando forem adultos, nem podemos aguardar que atinjam a idade escolar, quando poderá ser tarde demais para intervir.


Os primeiros anos de vida são importantes porque o que ocorre na primeira infância faz diferença por toda a vida. A ciência nos mostra o que devemos oferecer às crianças e do que devemos protegê-las para garantir a promoção de seu desenvolvimento saudável. Relacionamentos estáveis, responsivos, estimulantes e ricos em experiências de aprendizagem nos primeiros anos de vida provêm benefícios permanentes para a aprendizagem, para o comportamento e para a saúde física e mental.1


Por outro lado, pesquisas sobre a biologia do estresse na primeira infância mostram como o estresse crônico causado por adversidades significativas, como pobreza extrema, abuso ou negligência, podem debilitar o desenvolvimento da arquitetura cerebral e colocar o sistema corporal de resposta ao estresse em permanente estado de alerta, aumentando os riscos de diversas doenças crônicas.


Os conceitos básicos que se seguem, estabelecidos por décadas de pesquisas em neurociência e comportamento, ajudam a ilustrar por que motivo o desenvolvimento saudável da criança, do nascimento até os 5 anos de idade, cria os alicerces de uma sociedade próspera e sustentável. Cérebros são construídos ao longo do tempo, de baixo para cima. A arquitetura básica do cérebro é construída através de um processo contínuo, que se inicia antes do nascimento e continua até a maturidade. As primeiras experiências afetam a qualidade dessa arquitetura, estabelecendo o alicerce, robusto ou frágil, para a aprendizagem, a saúde e comportamentos subsequentes.


Nos primeiros anos de vida, 700 novas conexões neurais (chamadas sinapses) são formadas a cada segundo. Após esse período de rápida proliferação, essas conexões são reduzidas através de um processo de seleção, de forma que os circuitos cerebrais tornamse mais eficientes.


Os circuitos sensoriais, como os da visão e da audição básicas, são os primeiros a se desenvolver, seguidos pelas habilidades iniciais de linguagem e, posteriormente, pelas funções cognitivas superiores. As conexões proliferam e são selecionadas de forma predeterminada, e os circuitos cerebrais mais tardios e mais complexos são construídos sobre os circuitos anteriores, mais simples.


As influências interativas de genes e experiência moldam o cérebro em desenvolvimento. Atualmente os cientistas sabem que um ingrediente importante nesse processo de desenvolvimento é o que foi chamado de relacionamento “dar e receber” que se estabelece entre as crianças e seus pais e outros cuidadores na família ou na comunidade. Crianças pequenas buscam interações naturalmente, balbuciando, por meio de expressões faciais e gestos, e os adultos lhes respondem com tipos semelhantes de gestos e vocalizações.


Na ausência dessas respostas – ou quando as respostas não são confiáveis ou são inadequadas –, a arquitetura cerebral não se forma como seria esperado, o que pode conduzir a disparidades na aprendizagem e no comportamento. A capacidade de mudança do cérebro diminui com a idade. No início da vida, é mais flexível, ou “plástico”, para acomodar uma grande variedade de ambientes e interações; no entanto, com o amadurecimento, o cérebro torna-se mais especializado para assumir funções mais complexas, e menos capaz de se reorganizar e se adaptar a desafios novos e inesperados. Por exemplo, ao final do primeiro ano, as regiões do cérebro que diferenciam sons começam a se especializar de acordo com o idioma que o bebê ouve. Ao mesmo tempo, o cérebro começa a perder a habilidade de reconhecer sons diferentes encontrados em outros idiomas.


Embora as “janelas” para a complexa aprendizagem da linguagem e de outras habilidades permaneçam abertas, alterar esses circuitos cerebrais torna-se cada vez mais difícil ao longo do tempo. A perda da plasticidade inicial implica que é mais fácil e mais eficaz influenciar o desenvolvimento da arquitetura do cérebro de um bebê do que reconectar partes de seu circuito cerebral na adolescência e na vida adulta.7 As capacidades cognitivas, emocionais e sociais são inextricavelmente entrelaçadas durante toda a vida.


O cérebro é um órgão altamente integrado e suas múltiplas funções operam de forma ricamente coordenada. O bem-estar emocional e as competências sociais fornecem uma sólida base para o surgimento de habilidades cognitivas e, juntos, são o tijolo e a argamassa que compõem os alicerces do desenvolvimento humano. A saúde física e emocional, as competências sociais e as capacidades cognitivas/linguísticas que surgem nos primeiros anos são pré-requisitos importantes para o sucesso na escola e, posteriormente, no trabalho e na comunidade.


Embora aprender a enfrentar adversidades seja uma parte importante do desenvolvimento saudável da criança, o estresse excessivo ou prolongado pode ser tóxico para o desenvolvimento do cérebro. Quando somos ameaçados, nossos corpos ativam uma variedade de respostas fisiológicas, inclusive aumento do batimento cardíaco, da pressão arterial e de hormônios do estresse, como o cortisol. Quando está protegida por relacionamentos com adultos que lhe propiciam segurança, a criança pequena aprende a adaptar-se aos desafios cotidianos e seu sistema de resposta ao estresse retorna ao nível original. A isso os cientistas chamam de estresse positivo. O estresse tolerável ocorre quando dificuldades mais sérias – como a perda de um ente querido, um desastre natural ou um machucado mais grave – são suavizadas por adultos cuidadores, que ajudam a criança a se adaptar, mitigando assim os efeitos potencialmente danosos de níveis anormais de hormônios de estresse.


Quando experiências adversas fortes, frequentes ou prolongadas – tais como pobreza extrema ou abuso recorrente – são vivenciadas sem o apoio de adultos, o estresse torna-se tóxico e disruptivo para o desenvolvimento dos circuitos cerebrais. A experiência precoce de estresse tóxico pode impor um custo cumulativo à capacidade de aprendizagem, assim como à saúde física e mental. Quanto mais adversa a experiência na infância, maior a probabilidade de dificuldades de desenvolvimento e outros problemas. Adultos com experiências mais adversas na primeira infância têm maior probabilidade de problemas crônicos de saúde – entre os quais alcoolismo, depressão, doenças cardíacas e diabetes.15 A intervenção precoce pode evitar as consequências de adversidades na primeira infância.


Pesquisas demonstram que intervenções tardias parecem ter menos sucesso – e em alguns casos, são ineficazes. Por exemplo, quando crianças extremamente negligenciadas foram colocadas antes dos 2 anos de idade em famílias adotivas responsivas, seu QI aumentou mais substancialmente e sua atividade cerebral e suas relações de apego mostraram maior tendência à normalidade do que quando adotadas após completar 2 anos de idade.16 Se, por um lado, não há uma “idade mágica” para a intervenção, está claro que, na maioria dos casos, intervir o mais cedo possível é significativamente mais eficaz do que postergar a ação.7 Relacionamentos afetuosos e estáveis são essenciais para o desenvolvimento saudável.


Crianças desenvolvem-se em um ambiente de relacionamentos que começam em casa e que incluem membros da família ampliada, cuidadores e educadores, além de outros membros da comunidade.1 Os estudos mostram que crianças pequenas que têm relacionamentos seguros e confiáveis com seus pais ou com cuidadores sem vínculos familiares sofrem uma ativação mínima de hormônios de estresse quando amedrontadas por um evento estranho, enquanto crianças que têm relações inseguras sofrem uma ativação significativa do sistema de resposta ao estresse. Inúmeros estudos científicos apoiam a conclusão de que prover, o mais cedo possível, relacionamentos responsivos e que garantem segurança pode prevenir ou reverter os efeitos danosos do estresse tóxico.





Fonte: Importância do desenvolvimento infantil. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. http://www.enciclopedia-crianca.com/sites/default/files/dossiers-complets/pt-pt/importancia-do-desenvolvimento-infantil.pdf.

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